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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Note-se, nos versos, a capacidade do sujeito em equilibrar, mesmo que seja de maneira limitada, o intemporal no precário. No conflito entre o eterno e o efêmero, o homem se sente só e frágil perante as coisas finitas e terrenas. O desejo de vencer os conflitos leva o eu-lírico a afirmar: "só a morte nos liberta" (p. 76). Assim, nascer e morrer são experiências de solidão. Mais do que viver, a vida ensina a morrer. Na poesia de Kolody, a morte aparece como experiência cotidiana, mas marcada por ausências e despedidas, conforme se pode constatar no texto Anoitecer, em que o eu poético afirma: 

Amiudam-se as partidas... 
Também morremos um pouco 
no amargor das despedidas. 

Cais deserto, anoitecemos 
enluarados de ausências (p. 84). 

Verifica-se, nos versos, a linguagem metafórica e a preocupação do eu poético em relação à palavra, enfatizando o ato comunicativo. Nas séries "cais deserto, anoitecemos/ enluarados de ausências", percebe-se um ritmo cadenciado. A imagem do cais deserto remete à idéia de solidão. O morrer um pouco, as partidas e despedidas, faz com que o sujeito sinta a ausência dos que se foram. Ele também acaba por se envolver, pois "anoitecemos/ enluarados de ausência. O vocábulo anoitecemos significa a metáfora de envelhecer (p.33). A morte também pode estar relacionada ao aspecto lúdico. No texto intitulado Jogo, o sujeito poético mostra que a poesia é jogo e luta "de vida e morte" com as palavras: 

A morte espreita, em silêncio 
O vivo jogo dos homens 
No tabuleiro do tempo. 

Estende, às vezes, de repente, 
A longa mão feita de sombra 
E tira um peão do tabuleiro (p. 147). 

Se o jogo é, fundamentalmente, um símbolo de luta entre as forças da vida e da morte, nos versos kolodyanos, o jogo também aponta para este sentido. Na primeira estrofe, a morte observa o vivo jogo dos homens para, só depois, estender sua mão de sombra, e tirar um peão do tabuleiro. O vocábulo peão induz à metáfora de homem. Com uma linguagem metafórica, o sujeito poético cria significados precisos. No poema, a palavra é a pedra que ele joga no xadrez do poema: poesia feito jogo. As palavras-imagens vão sendo "colocadas" no tabuleiro do poema e, no final, tem-se o poema, composto de versos singulares. No prólogo da obra O outro, o mesmo, o escritor Jorge Luis Borges, afirma que a poesia é um xadrez misterioso, cujas peças mudam como um sonho12, pois "Em seu austero canto, os jogadores/ Regem as lentas peças. (...) Não sabem que a mão assinalada/ Do jogador governa o seu destino,/ Não sabem que um rigor adamantino/ Sujeita seu arbítrio e sua jornada"13. Dessa forma, os versos de Kolody e de Borges apontam para a idéia do inesperado e do jogo. Ou seja, os homens fazem parte da peça de um tabuleiro de xadrez e, de repente são retirados do jogo. A mesma temática da vida e da morte está presente no poema dístico intitulado Tempo. O eu-lírico declara: 

Cai a areia da vida 
Na ampulheta da morte (p. 145). 

Nos versos do poema, salienta-se o caráter lúdico da linguagem poética, ou seja, o que o poeta essencialmente faz é jogar com as palavras. As imagens da areia e da ampulheta estão organizadas na estrutura do poema de forma harmoniosa, confrontando com as palavras vida versus morte. A ampulheta, símbolo do tempo, está relacionada ao título do poema. No poema sintético intitulado Areia, percebe-se a temática da efemeridade da vida: 

Da estátua de areia, 
nada restará, 
depois da maré cheia (p. 82). 

Os versos apontam para o caráter efêmero e transitório da existência. O signo areia funciona como metáfora de corpo; maré cheia como metáfora de morte. No jogo da linguagem aparece claramente os questionamentos do sujeito lírico. No texto Diálogo, a temática diz respeito à questão da vida, relacionada à problemática do ser que se questiona, em busca do sentido da vida: 

Debruçados sobre a vida, 
indagamos seus mistérios 
e raramente alcançamos 
suas respostas cifradas. 

Ao calor do interrogar-se 
nuvens ocultas esgarçam-se, 
a luz em nós amanhece (p. 76). 

No texto predomina o trabalho metafórico da linguagem sobre outros recursos poéticos, tais como paralelismos, rimas, assonâncias. São versos que acentuam a condição do sujeito "plural", que se indaga frente aos segredos da vida. Com uma linguagem elaborada e metafórica, a poeta celebra a vida e o canto festivo nos versos do poema intitulado Alegria de viver: 

Amo a vida. 
Fascina-me o mistério de existir. 

Quero viver a magia 
de cada instante, 
embriagar-me de alegria. 

Que importa a nuvem no horizonte, 
chuva de amanhã? 
Hoje o sol inunda o meu dia (p. 35). 

A consciência da brevidade da vida e o futuro incerto fazem com que o sujeito lírico valorize o momento presente. No texto, a morte é um processo natural, surgindo como uma perspectiva certa da finitude do homem. A consciência de que a morte pode chegar a qualquer momento, não é obstáculo para que o sujeito lírico viva intensamente o momento presente. Um outro texto que traz o encanto e a magia da vida é o tanka Aquarela, com grau máximo de comunicabilidade e lirismo, em que o eu poético busca o instantâneo e a integração da vida e da natureza: 

Sol de primavera. 
Céu azul, jardim em flor. 
Riso de crianças. 
Na pauta de fios elétricos, 
uma escala de andorinhas (p. 28-29). 

A linguagem do poema é marcada por uma força lírica na qual o sujeito poético conjuga a relação do sentimento vital integrada à constante renovação cíclica da vida. Neste tanka, os elementos da natureza se relacionam de maneira harmoniosa. No coração do poema, destaca-se o verso riso de criança, que simboliza a simplicidade natural, a espontaneidade. São versos deste teor que comprovam a simplicidade da poesia kolodyana, pois eles fluem naturalmente como voz sonora, capaz de bem-dizer a vida e seus instantes. 
Em Dom, verifica-se o poder mágico das palavras, em uma linguagem lúdica, rica em associações de idéias, símbolos e metáforas. Em três versos, o eu poético sintetiza o pensamento: 

Deus dá a todos uma estrela. 
Uns fazem da estrela um sol. 
Outros nem conseguem vê-la (p. 51). 

A temática do poema mostra a questão da religiosidade e também a problemática que envolve o ser humano: as possibilidades e impossibilidades de realizar-se. O vocábulo estrela é a metáfora de vida. Se há os que fazem da estrela um sol de realizações, há os que nem conseguem atingir seus objetivos, justamente por não descobrirem a sua estrela. Símbolo do princípio da vida, a estrela é fonte de luz. Já o sol é fonte de calor, de luz e de vida. É também, símbolo de inteligência cósmica e da luz do conhecimento e a fonte de energia14. 
Em Sempre madrugada, poema dístico, os versos são simples e fluentes, marcados por um ritmo dinâmico: 

Para quem viaja ao encontro do sol, 
é sempre madrugada (p. 70). 

Através dos versos livres e da sonoridade, mostra-se a temática da busca de realização humana. Salienta-se também que o ser humano está sempre em viagem, em busca de um sol que o realize. Em Cronos, poema dístico, o sujeito lírico reforça a idéia expressa nos versos anteriores: 

Não é o tempo que voa. 
Sou eu que vou devagar (p. 55). 

O "estar em viagem" é um processo temporal delimitado pelas circunstâncias da vida. No afã de conquistar as realizações humanas, faz-se necessário "apressar a lida". No poema sintético Sem aviso, o sujeito lírico salienta: 

Sem aviso, 
o vento vira 
uma página da vida (p. 35) 

São versos que apontam para a brevidade da vida. Percebe-se a sutileza do sujeito poético em articular a linguagem, atingindo a essência e um alto grau de concisão. No texto, o eu-lírico expressa a condição efêmera da vida, através da metáfora vento que funciona como morte. No poema Hora plena, o eu-lírico alerta para a necessidade de se viver o momento presente: 

Hora plena, a do meio-dia. 
As figuras não projetam sombras. 
A luz incide, vertical, nas criaturas. 

Hora total em que o ser atinge 
a plenitude (p. 47). 

Nesse sentido, a poesia de Kolody apresenta uma linguagem metafórica que aponta para a busca de sentido exitencial. Sua poesia parte da experiência cotidiana e a transcende mediante a imagem poética a uma dimensão maior, despertando no leitor uma consciência de plenitude, ou seja, linguagem enquanto revelação da condição humana: presença e finitude. 
A obra kolodyana apresenta uma maneira intensa de entender e expressar os sentimentos do mundo, numa poesia que tem por centro temático a inquietação, em que a vida, "a inquietação suprema de viver", alia-se à "suprema angústia de pensar". O tema da inquietação, na poesia kolodyana, se refere à busca de sentido para a existência, sentido este evidenciado através do processo criador. Dessa forma, constata-se que seus poemas se traduzem em versos tranqüilos, apaziguadores, até mesmo esperáveis, em termos do código lírico, ou seja, a inquietude temática se resolve na composição em que predomina a harmonia. 
Em relação à síntese e ao "estado de poesia", Helena Kolody afirma que "o nascimento do poema" surge da inspiração, mas depois vem o "burilamento, que antes eu não fazia. O meu burilar é principalmente cortar. Muitos poemas foram reduzidos, qualquer um pode notar isso, a três versos. Ao mesmo tempo, parece que a poesia vem mais enxuta, mais essencial"15. 
Cumpre observar que, entre os primeiros críticos a apresentar a poesia Helena Kolody estão Rodrigo Júnior e Andrade Muricy. A autora teve orientação muito especial de Muricy. Ela declara que na sua formação escolar seu contato era com textos literários simbolistas e parnasianistas, e que chegou à literatura modernista através da obra A nova literatura brasileira, de Andrade Muricy16. "Por ser amigo de meus amigos, ele me ofereceu o livro e para mim foi uma descoberta. Eu não conhecia nenhum daqueles autores, porque nada do que eu lia ia além de Olavo Bilac"17. A autora afirma ainda que Muricy lia seus textos, mas "não mexia no que a gente escrevia. (...) Uma vez ele me falou: "reparei que você chega mais ao objetivo nos poemas curtos. Você tem talento para a síntese. Os seus poemas mais breves são os melhores"18. 
Consoante as afirmações da autora e a evolução de sua obra, nota-se que na lírica kolodyana ocorre um "enxugamento" dos textos, encaminhando-se cada vez para um estilo direto, privilegiando a economia dos meios de expressão. A força de seus poemas reside no alto grau de concisão e síntese. A autora realiza um fazer poético marcado por uma linguagem densa, sutil, registrando o instantâneo, a fugaz e as coisas mais simples. Tal como o tecelão que vai escolhendo os fios e emaranhando-os no tear, da mesma forma, Kolody constrói seus poemas, tecidos de palavras, elaborando-os cuidadosamente. Os poemas kolodyanos possuem uma relação de sentido que os mantêm interligados a uma constante temática: a construção do poema, o fazer poético, seu material: palavras, frases, linguagem; as dificuldades encontradas pelo sujeito poético na construção de seus poemas; a tentativa do poeta de - por meio de um trabalho com a linguagem - transpor muros e barreiras, tendo em vista a livre expressão de seus anseios e desejos. 
Seus poemas sintéticos, condensados (haicais, tankas, dísticos, tercetos, epigramas, entre outros), são construídos a partir das coisas simples e cotidianas e remetem às profundas reflexões sobre o sentido da existência. Essencialmente lírica, sua poesia tem o poder de despertar o leitor para a observação da linguagem-natureza mostrando que a poesia é signo de vida, poder, alquimia e nostalgia. Helena Kolody tem uma obra inconfundível. Desde a sua primeira obra, Paisagem interior19 (1941) a Reika20 (1993), sua poesia evolui no sentido de síntese reflexiva, concisão e alto grau de lirismo espontâneo, contido, numa linguagem que é, acima de tudo, busca do essencial. 

Por:Antonio Donizeti da Cruz

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